A pesquisa do
Ibope divulgada na última terça-feira (13) que mostra a ampliação da vantagem de Lula sobre seus adversários na disputa presidencial fundamenta as bases do otimismo com que o Partido dos Trabalhadores tem desenvolvido seus discursos, suas articulações internas e produzido seus documentos. Foram esquecidas toda a corrupção e crise que assolou o partido até bem pouco tempo atrás.
O PT parte para a ofensiva, ancorado no bom desempenho de Lula antes as pesquisas (mais do que seu fraco desempenho no governo), nos números sociais que são disparadamente melhores do que os mandatos de FHC (apesar do fracasso do Fome Zero, que caiu no esquecimento), e nos ventos tranqüilos de um momento sem muita turbulência política, já que a direita pefelista e pessedebista não consegue macular a imagem de Lula, muito menos articular um candidato a presidente com desenvoltura nacional. Alckmin é o fiasco anunciado há muito e, só por um milagre, ganhará o corpo necessário para derrubar Lula.
Pelo menos é assim que pensa a nova (velha) cúpula do PT, presidida agora pelo deputado Ricardo Berzoini, com atores não tão exponenciais como José Dirceu e José Genoíno, mas que conseguem levar a militância petista no bico e tentam pressionar Lula para um segundo governo “mais à esquerda” ou, pelo menos, mais preocupado com o desenvolvimento sustentável e com um crescimento econômico maior.
Esse, ao menos, é a síntese do documento “
Diretrizes para a Elaboração do Programa de Governo”, aprovado em abril durante o 13º Encontro Nacional do partido, que será a base do Programa de Ação de Governo (PAG), citado na última segunda-feira (12), quando o partido divulgou o calendário para a formulação do programa. A coordenação da Comissão Nacional do Programa de Governo está a cabo de Marco Aurélio Garcia, assessor para Assuntos Internacionais da Presidência e outro membro antigo do PT que ganhou mais espaço com o afastamento de lideranças históricas do partido.
Entre os principais temas abordados está o mais do mesmo do combate às desigualdades sociais, maior distribuição de renda, mais crescimento, reforma da educação, integração sul-americana, além de bater na tecla novamente sobre a questão dos juros, que, na visão do presidente do partido, deveriam receber maior corte, como destacou O Estado de S. Paulo no dia 12.
Duas coisas chamam a atenção: primeiro, que o PT já admite manter o abusivo superávit primário de 4,25% do PIB brasileiro como meta para ajuste fiscal, abandonando a crítica sistemática que possuía sobre o tema, que gerou até conflitos na cúpula do governo, principalmente com o ex-ministro da fazenda, Antonio Palocci. Está clara a admissão de um ato considerado à direita. Por outro lado, no programa há o desejo de vetar a autonomia do Banco Central. “Somos contrários à independência formal do BC. Há estratégias institucionais próprias do BC, mas ele responde a uma política econômica macro, que é decidida pelo legislativo e Executivo”, disse Berzoini para o Estado.
Essa atitude, classificada pelo referido jornal como uma “guinada à esquerda
[1]”, pode aparentar que, como o PT está tranqüilo quanto à vitória de Lula, qualquer coisa vai passar no segundo mandato. Parece que muitos petistas se esqueceram do que pensaram quando da primeira Carta ao Povo Brasileiro (a segunda vem muito em breve), em que a cúpula do partido disse que faria exatamente o que está fazendo no governo hoje: “Ah, tudo bem, é para enganar a elite, quando chegar ao poder vamos manter as bandeiras históricas do partido”. Parece que alguns militantes desejam cair no mesmo erro novamente. Afinal de contas, as pessoas só acreditam no que querem ou no que convém a elas acreditar, até para dar uma resposta a seu eleitorado e poder se manter na política por mais tempo.
Entretanto, para quem percebe quem realmente manda no partido dos burocratas profissionais
[2], é fácil notar que, no frigir dos ovos, todos abaixam as orelhas quando Lula discursa. É ele quem acaba por definir os rumos do partido, principalmente na questão eleitoral, que é o que realmente vale na única estratégia petista: manter-se no governo. A diferença é que suas palavras não possuem nenhuma tintura esquerdista, socialista ou qualquer “ista” que o valha e que permanece nas rodas de discussão do partido, algo tão vazio de sentido que parece um fantasma tentando lembrar sua infância. Lula, pelo contrário, encarna o pragmatismo sindical de quem quer vencer as próximas eleições e conseguir tocar seus projetos dentro da democracia burguesa que vivemos hoje.
E, para isso, ele negocia uma ampla aliança política com o PMDB e demais partidos corruptos, que compõem a direita tradicional que atrasa o país. Mas ele quer governar e, dentro das atuais condições e de sua lógica de sindicalista de resultado (vamos negociar e conseguir o que dá), somente esse tipo de aliança mesmo para conseguir base de sustentação de seu governo – tanto que os cargos de vice-presidente da República e de vice-governador de São Paulo foram oferecidos ao PMDB.
Por isso, o fato de Berzoini e a cúpula petista quererem mostrar desenvoltura em duros discursos, em prol de um segundo mandato presidencial que foque ainda mais o lado social, não indica necessariamente que Lula esteja concentrado neste esforço. É óbvio que o presidente da República se coloca em favor de projetos sociais, muito mais que o governo anterior, mas não quer dizer que os projetos serão atropelados e colocadas em prioridade máxima, como anseia o partido.
Ou seja: não se iludam petistas, movimentos sociais ou quem deseja votar em Lula, acreditando que as demandas históricas que o PT se comprometeu ao longo de sua existência - e que não foram atendidas nos primeiros quatro anos – serão praticadas com certeza e tranqüilidade num possível segundo mandato, pois, o que está em jogo acima de tudo é a manutenção do poder pelo partido. Se precisar renegociar com legendas historicamente adversárias, voltar atrás com bancos e fazer tudo o que foi feito de 2003 até aqui, será feito.
E o ônus, novamente, cairá sobre os trabalhadores que acreditam na legitimidade de Lula em fazer as reformas devidas, mas que, no fim das contas, tais reformas prejudicam acabam por minar cada vez mais a capacidade da população de ser beneficiada e de reivindicar as melhorias necessárias para as suas vidas e não apenas para pequenos grupos da sociedade.
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[1] Engraçado foi ler o primeiro parágrafo do texto do Estado: “Numa guinada à esquerda, o PT descartou ontem a inclusão da proposta de autonomia do Banco Central no programa de governo de um eventual segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva”. Esquerda? Impedir uma independência de um órgão como o BC em relação aos demais poderes da nação é um ato de esquerda? Tudo parece culpa da esquerda (aliás, que esquerda?), eles são responsáveis por toda e qualquer ação que o jornal discorde. Fica claro que cada vez mais o discurso único aponta para o seguinte viés: qualquer coisa que fuja do receituário neoliberal é visto como de esquerda, reacionário, populista, atrasado, um erro. Essas generalizações são perigosas demais porque colocam qualquer coisa dentro do mesmo saco e querem dizer que só o receituário adotado atualmente é o melhor para o país. Pode até ser, mas para qual povo desse país?
[2] Afinal, a composição social do partido mudou radicalmente ao longo dos anos e o que prevalece no PT, em sua maioria, são políticos profissionais, que vivem daquilo. Basta ver o caso do Genoíno que e de Zé Dirceu que não tinham o que fazer da vida pós-escândalo, já que toda a carreira havia sido construída dentro da política.