sábado, março 14, 2015

Mais um dia

Deu um beijo morno de despedida, desceu do carro e contemplou a avenida que rasga o bairro como se fosse uma estrada, com seus caminhões, ônibus e carros velozes. Iniciou a caminhada rumo à passarela e começou a subir. Reparou que, embora o dia estivesse claro e o azul predominasse no lado da Baía, da região dos morros vinha um cinza enevoado.

Enquanto mirava as nuvens passeando por sobre o verde das árvores, sentiu uma forte dor de cabeça, as pernas falharam. Caiu. Senão tivesse a grade de proteção, teria despencado no meio da avenida e triturado pelos veículos que vem e vão sem saber por qual razão.

Ficou estirado por alguns segundos, com os músculos crispados. Aos poucos, a consciência retornou, mas tudo o que ele via era a escuridão, como se tivesse ficado cego. Procurou se sentar e ficou recostado à grade, esperando mais alguns momentos para se recompor.Não havia ninguém no momento a utilizar a passarela, de modo que ainda demorou uns cinco minutos até voltar ao normal.

Aos poucos passou a enxergar o cinza das nuvens que já tomavam boa parte do céu que antes era azul. Tentou levantar-se a primeira vez, mas os braços amolecidos não deram sustentação e ele caiu novamente. Desistiu por um instante e passou a contemplar a paisagem a sua frente, uma mistura de concreto, asfalto e natureza, um tanto quanto surreal para sua mente. Pelo menos é o que sempre pensou.

Em novo rompante, fez um impulso e conseguiu levantar-se. Ainda que com dificuldade, apoiou as mãos na grade e começou, pé ante pé, a retomar a caminhada. Parou, pegou a água que carregava na mochila, sorveu alguns goles e voltou a andar. 

Desceu a passarela, olhou os restos de raio de sol que teimavam em invadir o bloco cinza que tomou conta da cidade. Ao chegar a seu destino, parou em frente, ergueu a cabeça e fitou-o, um tanto quanto hesitante a seguir adiante. Por fim, respirou fundo e retomou os passos, rumo a mais um dia de trabalho.

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sexta-feira, março 13, 2015

O inesperado adeus

Ela pegou na mão dele, o abraçou e ficaram ali, inertes, por uns bons momentos. A despedia lhe doía o coração como uma faca atravessando-lhe o órgão. Nele, uma saudade daquilo que nunca teve consigo o deixava ainda mais confuso por aquele sentimento repentino ante a iminente perda.

Lágrimas rolaram pelos olhos dela, a borrar-lhe a maquiagem. Seus pensamentos ainda não estavam na nova velha vida, nas rotinas mais que conhecidas, no amor que ficou a lhe esperar, muito menos na expectativa por um mestrado que se impõe como um desafio a quem quer buscar novos caminhos. Ela mantinha a mente apenas num pensamento obtuso: eu nunca mais o verei.

Já ele se perguntava como guardava sentimento tão forte e que só fora transbordar naquele instante, ao ter confirmada a ida dela para sempre. Ao mesmo tempo, sentia que não poderia soltá-la e que o tempo parasse, pois não haveria mais modos daquele carinho ter fim.

As várias pessoas ao redor se entreolhavam curiosas e estupefatas ante aquela cena inesperada dentro da empresa. Dois quase estranhos, que se viam e se falavam muito pouco, de repente estavam abraçados, lamuriosos, diante da proximidade do adeus. "Será que eles tinham um caso às escondidas?", perguntava um. "Mas como isso pôde acontecer, ela nunca me disse nada!", cochichou, espantada, uma amiga para outra.

Enfim, chegou a hora de ir. Ela empurrou, carinhosamente, os braços dele, enxugou as lágrimas, forçou um sorriso e disse: "Tenho que ir. Nunca me esquecerei de ti". Ele apenas consentiu com a cabeça, como que se dissesse a mesma coisa para ela, roubou-lhe as mãos, deu um último beijou e a deixou partir.

Enquanto ela saía da recepção em direção às escadas, os olhos de todos voltaram-se para ele, que não deixava esconder a dor do adeus, apesar de não exibir uma lágrima. Ele sentou em seu terminal de cabeça baixa e disse, sem olhar para os espectadores: "Acabou o show, pessoal, voltemos ao trabalho".