segunda-feira, março 24, 2014

Reflexões de uma vida (des)conectada

Esse lance de estar conectado assusta. Após ver um conto de um amigo no Facebook, bateu uma breve vontade de escrever e eis que, num clique, acho este meu velho blog, aperto nova postagem e, plaft! Aparece a folha em branco e o mesmo cursor. Depois de tanto tempo... e nem preciso de senha! Se precisasse, não saberia dizer qual. O Google compra tudo, daqui há pouco uma senha bastará para tudo... E não sei se isso é bom.

Voltei. Só por hoje, talvez. Mas será apenas para mim, ou para algum maluco que me achar por aqui ou que ainda entra por estas bandas. Porque, como diz um dos últimos posts da última leva, 2009, é difícil se expor hoje em dia, as pessoas te medem, te esticam, te criticam, te definem pelo que você se mostra na vida social/virtual. Não adianta se, num dia ruim, tu fala groselhas. Fica marcado. E para uma pessoa, infelizmente, pública como eu, tudo é exponenciado. Pública em termos. Poucos conhecem o meu trabalho. Mas para os erros e críticas, é só eu escorregar que aí eu sou público. Ainda mais numa capital-província, numa capital onde todos se conhecem, todos acham que própria opinião é mais relevante que o resto e devem ser ouvidos e influenciam no cotidiano das pessoas. Nada muito diferente de outros lugares, a não ser que, como é menor, o reflexo das coisas é bem maior.

A vida é engraçada. E no revival de um post num blog, começa a tocar Semisonic. "Chemistry", não a mega famosa, a menos famosa. Curto o disco mais interessante deles, que vendeu bem e depois eles sumiram...

Voltando.... Às vezes gostaria de voltar a ser o velho anônimo do período internet discada, em que ser famoso em meio a um grupo de discussão foi o meu auge. Era melhor. Eu era respeitado pelo que escrevia. Hoje, tu és avaliado pelo que tu faz. As redes sociais prometeram um mundo de facilidades, mais proximidade com as pessoas e tal, mas o fato de tudo ser público te expõe muito mais e as pessoas se escondem cada vez mais. Só fica para fora a casca feliz, das festas, bares, viagens, bons momentos. A vida diária e chata fica de escanteio. Afinal, ninguém quer falar disso.

 Só que, se antes você encontrava as pessoas para soltar suas frustrações e falar das coisas boas, hoje não há tempo e nem vontade de procurar as pessoas de forma privada para tal. Contenta-se com o mundo virtual público que é falso. Me sinto muito distante de queridas e queridos que fazem um bem danado quando os encontro. Mas me sinto tão desconectado de suas vidas no dia a dia que... E não é só pela distância física. A distância virtual e a própria vida como é vivida hoje nos impõe barreiras e tudo que sobra é preguiça e cansaço diante de tantas coisas a fazer.

A vontade que fica lá no fundo é de largar tudo e ter um emprego normal, um trabalho chato e sem sal, com ponto, entrada e saída e sem grandes responsabilidades. Só para voltar a ter mais tempo perto dos meus próximos, falar mais com as pessoas, escrever mais, torcer pelo meu time sem culpa, gozar do outro sem que minha posição atual represente falta de ética. Enfim, resgatar um pouco do que fui há 15 anos atrás e há 10 anos. Daquela inocência eufórica de opinar tudo, brigar, desculpar e tudo seguir o caminho normal, ao menos a pessoa realmente sabe o que tu pensa. Tu vai ficando velho e só guarda, guarda, guarda. Engole sapos o dia todo para pagar as contas, subir de cargo, ou fazer um projeto legal. Vai despedaçando o seu eu, a sua raiz, em nome de algo no futuro que nunca chega, de uma prosperidade que é muito distante e o que sobra é o saldo negativo, saúde ruim e alguns bons momentos.

Mudei muito. Melhorei vários aspectos que são importantes e que me possibilitam viver o que vivo hoje. Mas não sei se mudei tanto que me desconectei demais do meu eu. Temo dizer isso, é uma análise mais profunda que devo fazer, mas não sei se me reconheço mais do que eu fui. Às vezes acho que isso afeta a minha própria saúde. Por mais que serenidade e paciência sejam importantes, a gente se segura tanto que uma hora o corpo cobra tanta porrada no fígado.

Agora a 89FM toca Slide, do Goo Goo Dolls. E o revival anos 90 prossegue.

Falando dessa coisa de trabalho chato e ter tempo pras coisas, lembro da era do orelhão, alguém se lembra? Recordo que gastava meus intervalos de almoço (que às vezes se estendiam além dele, para loucura da chefe) no telefone com um amigo falando sobre a vida, das minhas angústias, da namorada que eu não entendia, do trabalho ruim que mudara de endereço e eu detestara, embora o bairro fosse mais tranquilo. Das coisas que mudavam e eu não conseguia acompanhar. De fato, não durei muito mais naquele trabalho. Após 4 anos dando o sangue, não tinha mais nada a oferecer, mais sangue para ser sugado. E foi uma bênção, apesar das dificuldades financeiras dos tempos seguintes.

Não que eu sinta saudade dessas angústias (sim, às vezes sinto, eram melhores e mais juvenis, pueris, que as de hoje, que dão medo mesmo), mas desse contato. Eu falava por telefone com as pessoas! Lembrei de outro momento em que eu, recém-operado, xavecava uma garota a vir em casa para ver como eu estava. Mas como eu era ruim nisso, não deu certo, nunca fui de ser claro com essas coisas. Mas a gente conversava com as pessoas. Orelhão, de casa... hoje mal ligo para os meus pais. É o sinal da derrota. Temos tantos recursos e cada vez mais nos afastamos. Ou sou só eu e aí vou me sentir um desgraçado fracassado.

Sinto falta também quando passava o dia entre trabalho e emails para um amigo, cada um falando de suas agruras cotidianas e projetando o fim de semana, alguma festa, balada, churrascada, ida ao Morumbi ou cada um para seu lado. Hoje perdi o amigo e mal falo com os que ainda tenho no chat do Facebook. Sinto falta de tanta coisa...

Até escrever que era uma coisa que fazia muito, fui deixando de lado. Nem poesia, nem poema, nem conto, nem desabafos, nem reflexões. Nada. Escrever por obrigação acho que é das coisas que mais sugam suas forças. Tu trabalha o dia todo com isso, não dá ganas de chegar em casa e ficar pensando e escrevendo... Não tem só isso de "ah, a vida melhorou e por isso não sente mais necessidade de escrever". Em algumas coisas sim, mas em outras... Só que a gente não percebe... E depois tu vai seguindo tua vida em outras atribuições que o que menos tu faz é escrever. Exceto e-mails. Dúzias deles. Ninguém mais usa e-mail fora do trabalho. Mas no dito âmbito corporativo... É quase um spam diário com tanta porcaria que nem te afeta, outras que querem te afetar e se você cair nessa está ferrado. Outras tu passa longe. E muita encheção de saco. Essas coisas deixam o cidadão estéril, com cada vez menos percepção do todo, do seu universo ao redor. O pensamento vai se restringindo ao trabalho, aos afazeres, às matérias, a projetos... e a capacidade de analisar, sintetizar, refletir e propor algo que transcende a si ou aos outros vai por água abaixo aos poucos.

Não sei aonde eu quero chegar com isso. Acho que essa é a questão, não tem aonde chegar aqui. Apenas pontas soltas que podem ajudar a encontrar um equilíbrio neste inferno que é a vida adulta. Posso não voltar mais aqui, mesmo assim, valeu a pena. Eu sempre me prometo e imagino que, ao constatar algumas coisas, vou conseguir mudá-las. Mas a letargia diária nos esteriliza, adia, atrasa. Até ser tarde demais. Espero que desta vez seja diferente. Até.