quinta-feira, março 29, 2007

“O Incidente”

José Fernando estava na cidade havia cinco dias. Foi visitar alguns parentes que não via há anos. Depois de muito tempo brigado com Francisco e Isabel (tio e irmã, de José, respectivamente) por um motivo que ele nem lembrava mais, as mágoas passaram e eles o convidaram a passar alguns dias na pequena cidade interiorana, há léguas de distância da capital. José Fernando achou de bom grado, pois havia anos que não tirava férias da construção civil desde que pegou aquele hospital público que nunca terminava. Mas, enfim, acabou e ele pôde descansar alguns dias, antes que a próxima obra começasse.

Rumou para lá com uma mochila, uma muda de roupa enfiada de qualquer jeito, três maços de cigarro Plaza e uma garrafa de pinga que era retirada a todo instante para o deleite de seu dono. Isso sem falar no seu inseparável radinho de pilha, permanentemente grudado ao ouvido. Assim, ele pegou o ônibus no maior terminal da cidade e desembestou pela estrada adentro. “Lugar que não chega nunca, diacho”, reclamava José, após 5 horas de viagem, entre um gole e outro de sua aguardente. “Boa para danar”, costumava elogiar seu líquido, vindo de uma cidadezinha distante em outro Estado.

No entanto, o trajeto para o interior era muito longo mesmo: cortava três Estados e passava por mais de 20 cidades. Ia demorar umas 20 horas. “Raio de estrada que num muda. Só vejo mato e boi em tudo que é lado”, resmungava a cada meia hora para a pessoa do banco ao lado, que mal agüentava seu bafo de cana. Nas seis paradas da viagem, ele só descia para urinar, fumar seu cigarro e esticar seu joelho esquerdo que costumava atormentá-lo quando passava muito tempo em pé ou sentado.


Francisco, Isabel e Maria, filha de Isabel, o esperavam na minúscula rodoviária da cidade, que mais parecia uma praça, situada num círculo, com comércio, invariavelmente botecos, no centro e vários espaços para os ônibus estacionarem, mesmo que parasse apenas um ônibus por dia dali. O resto servia mais para estacionamento de carros e parada de intermunicipais. Finalmente, o ônibus de José Fernando chegou: “Êta, pessoar!. Ceis não mudaram nada hein”, disse, em tom brincalhão, típico do interior, para provocar seu tio, enquanto tropeçava em seus próprios pés, quase caindo pela bebedeira do percurso. Francisco pegou a mochila e deu um suspiro de arrependimento. Isabel ajudou a erguê-lo e Maria não entendia, nada, já que era muito nova quando viu o tio pela primeira vez. “Já chega bêbado Zé? Assim fica difícil”, exclamou Francisco.

Chegando em casa, depois daquela conturbada recepção, Zé foi para o banheiro meio a contragosto. Refeito, Francisco, Isabel e Zé conversaram para acertar os ponteiros definitivamente, deixando, contudo, a situação na mesma: Francisco não gostava muito de Zé e Isabel só o admitia em sua casa porque era irmão. E Zé sabia de tudo isso. Mesmo assim, resolveu ficar, pelo menos uns dias para esfriar a cabeça do ano duro que tivera. Já estava com 35 anos, trabalhara muito e não tinha tempo de sair, muito menos se divertir. Sozinho há dois anos, não conseguia se sentir atraído por nenhuma moça do bairro onde morava. Meio que inconscientemente, decidira ficar só por um tempo, depois de sua relação frustrada com Dorinha, a faxineira que foi sua vizinha por quatro anos.


Zé estava há cinco dias e não entendia o porquê. Achava que três dias eram o bastante. Não tinha nada para fazer ali. Acordava às 10, tomava café preto e comia pão com manteiga. Botava sua roupa e saia a perambular pelas ruas tranqüilas da cidadezinha. Tranqüilas porque não tinha uma viva alma nas calçadas, nem carros pelas vias. “Fim de ano é sempre assim. Todo mundo que pode foge daqui”, contava Maria para o tio. Depois de caminhar, ler jornal, bater papo com algum senhor de idade prostrado na pracinha, Zé retornava à casa para almoçar e tirar uma soneca de umas duas horas na rede que fica nos fundos. Só lá pelas quatro horas, sol ainda forte, ele ia para um boteco próximo tomar cerveja (tinha parado com a pinga, mas “descontava” tudo na cerveja) e fumar seu Plaza.

Passava pelo menos umas quatro horas por ali, olhando absorto para o nada, sem ninguém para conversar, apenas seu radinho de pilha, que lhe evitava a solidão. Pensava na vida enquanto ouvia as modas de viola e as canções “dor de corno” da rádio local. Nada o fazia mover dali. E cerveja atrás de cerveja passava pela mesa dele. No fundo, ele sabia a causa, tanto de sua permanência estendida na cidade quanto de suas bebedeiras, que acabavam lá pelas oito da noite, céu quase todo revestido de negro, quando ele resolvia ir embora, jantar, tomar banho e dormir, sem quase falar com seus parentes.

O motivo para aquilo tudo era Jussara, moça de idade semelhante a de Zé. Jeito simples, pouca instrução, mas de beleza rara. Tez branca, olhos e cabelos negros bem escuros. Tinha estatura mediana e cintura fina. Bem diferente de Zé: alto, cabelo castanho, magricela de dar dó, mas com uma barriga saliente e um pouco mais de estudo. Ela passava por aquela rua todos os dias, voltando de seu trabalho como costureira numa fábrica perto de sua casa. Descia a rua vazia com aquele ar tristonho da solidão, mas bela. Mas como ela não o conhecia, nem o cumprimentava. Seguia de cabeça baixa para casa, sempre com pressa, com um certo ar amedrontado. Apenas após o quarto dia, de rito semelhante, e, percebendo a simpatia do rapaz que bebia no bar e sempre a olhava com um sorriso no rosto e levantava o chapéu, ela reparou e resolveu dizer um “olá, boa tarde” ao desconhecido. Já tinham se passado oito dias pensando o porquê de estar ali remoendo sentimentos, enquanto a moça o cumprimentava educadamente, Zé resolveu agir.


No dia seguinte, ele se arrumou melhor e foi pro bar por volta das 15h, sob um sol de rachar, que fazia escorrer suor pela sua testa vermelha. Comprou um suco e esperou Jussara. Ela veio, já pelas 18h. Descia a ladeira e, em frente ao boteco, acenou discretamente para Zé Fernando, que, levantou-se e foi em direção a ela, e disse: “Quer tomar um suco comigo?”. A pergunta, surpreendente, assustou a tímida jovem, que se esquivou e recusou o convite: “Tenho que ir para a casa agora, estou cheia de coisas para fazer”, respondeu, apesar de saber que ia passar a noite assistindo novela e ouvindo reclamações de sua mãe. Mesmo assim ela foi, apressando o passo. Zé Fernando se irritou e berrou para o dono do bar: “Troca essa merda de suco vagabundo por uma pinga agora mesmo”, exclamou, abandonando seu corpo à cadeira.

A partir dali, desandou de vez. Ia para o bar logo cedo e não saia dali enquanto não fosse carregado para casa. Sentava-se com a cadeira para o lado oposto da rua onde poderia passar Jussara. Via agora uma rua calma, repleta de caminhos de madeira, com árvores em tamanho médio, de não mais que dez anos de vida. Parecia se fixar num pé de amora. O dono do boteco deixava o pobre infeliz afundar na inércia de suas mágoas até meia-noite, quando não agüentava mais e fechava o bar, empurrando o bêbado para a calçada. “Zé, tá tarde. Preciso sair e já faz uma hora que devia ter fechado isso daqui. Vai pra casa hômi”.

Tropeçando em lamúrias, Zé ia sem falar uma palavra, sem mexer um músculo da face. Seus parentes não entendiam o que acontecia. Francisco só resmungava, praguejando para que o bebum fosse embora. Isabel, preocupada com o irmão, não recebia respostas dele e se desesperava: “mas ele tinha parado de beber pinga. Mal bebia cerveja. Por quê?”, indagava, em vão. Maria morria de medo e se trancava no quarto, indo dormir só quando o tio se estatelava no sofá. Temia que ele quebrasse a casa ou algo do gênero. Já se passavam 13 dias e a situação continuava insustentável: da casa para o boteco, de lá para a casa, com o fedor de pinga e de suor aumentando, já que ele não tomava banho há dias. Zé não percebera, já que sentava de costas para a outra rua, mas Jussara, desde o “incidente”, não passara mais por ali.


No décimo quinto dia Pedro tentou fazer com que Zé desistisse de curtir essa dor e falou: “Rapaz, já faz seis dias que a moça não passa por aqui. Esquece isso, volta pra e toca a tua vida!”, recomendou, de um jeito veloz e difícil de entender, típico dos moradores daquela região. Mas funcionou. Naquele momento acendeu uma luz sobre a cabeça do pobre homem que se maltratava por causa daquela mulher. Levantou-se, jogou a pinga longe e foi pagar Pedro, que se assustou com o movimento brusco e inesperado de Zé, mas ficou aliviado por se livrar de um homem “que vai se matar se continuar assim e ainda acabariam me culpando”, pensou. Ele comemorou em um grito: “Isso mesmo Zé, toma rumo na vida”, disse. Zé pagou a conta e cumprimentou o dono da espelunca com um aceno de cabeça. Quando virou-se para descer os degraus e pegar o caminho da calçada ficou branco de susto. Jussara passara naquele instante pela rua, mas, ao contrário de antes, olhando para Zé com rosto piedoso. “Mas o velho Pedro garantiu que ela não tinha passado mais aqui”, pensou Zé, espantado com o que via, enquanto Jussara atravessava a rua e ia até ele.

“Zé, eu queria te dizer uma coisa”, iniciou o diálogo a moça, com a voz agitada. “Eu fiquei sabendo o que você fez depois daquele dia que conversamos. Se tu num sabe, sua irmã é amiga da minha tia”, continuou. “Quero que você pare de encher a cara, senão eu acabo me sentindo culpada”, disse. “Mas a culpa é sua mesmo”, retrucou Zé, amargurado. “Eu só te chamei para um suco e você me destratou daquela forma”. “Zé, e lá isso é desculpa pra encher a cara e viver caindo pela calçada?”, indagou Jussara, implacavelmente. “É sim”, devolveu Zé. “É porque eu gosto d’ocê, Jussara”, completou. A moça permaneceu imóvel diante dele por alguns segundos, num silêncio devastador, quebrado apenas pelo farfalhar de algumas folhas de árvores e pelo canto distante de um passarinho. “Mas hômi de Deus, a gente nunca conversou direito. Tu me viu uma ou outra vez. Como pode?”, perguntava Jussara, perplexa. “Não sei, só sei que foi assim. E se você veio aqui só pra passar sermão é bom tomar seu rumo, porque isso não ta ajudando em nada”, respondeu Zé, que complementou: “E fique a senhora sossegada que eu vou embora amanhã mesmo, assim deixo esse fim de mundo de uma vez”. Nesse momento, Jussara fez uma expressão que se assemelhava com algo muito triste que tivesse ouvido naquele segundo. “Eu preciso voltar mesmo ao batente na capital e aqui não consegui descansar nem um pouco”. E assim, Zé partiu para a casa de seus parentes, sem se despedir da amada que o rejeitou. Jussara, enquanto isso, permanecia em pé na frente do bar, sentindo uma leve ponta de arrependimento brotar-lhe no peito.

Zé chegou na casa da irmã, tomou banho, jantou com todos, sem pronunciar uma palavra, até arrumar as malas, quando declarou: “Amanhã à noite eu pego o ônibus das nove da noite, vou voltar porque ta na hora de trabalhar”. A fala miúda de Zé assustou os presentes, ainda mais que o banho tomado e o jantar com eles. “Vai mesmo, Zé? Melhor pra ti guri”, falou Francisco. “Que bom”, exclamou Maria. “Resolveu seu problema, Zé?”, questionou Isabel. “Sim mana, apesar de não ter descansado o que devia, to pronto pra tocar minha vida novamente”, respondeu.


No dia seguinte, Zé acordou bem cedo e com toda a disposição. Cumprimentou a todos da casa , tomou café e foi pra banca pegar um jornal. Voltou pra casa, leu e passou o resto do dia assistindo televisão, passando pela primeira vez o tempo todo em casa. Só lá pelas seis tarde saiu da casa, quando era possível notar o cair da tarde da cidade interiorana, onde ainda é possível ver o céu com clareza, suas estrelas surgindo em meio às violáceas e rosáceas que pintam um quadro belo no céu. Passou no bar do Pedro para comprar um Plaza e se despedir do dono. Na saída, foi surpreendido pela aparição de Jussara. “Oi Zé, precisamos conversar”,iniciou o diálogo. “Não tenho nada para conversar, daqui três horas meu ônibus parte”, retraiu. “Eu sei. Por isso mesmo”, retrucou Jussara. “Então diz logo, diacho”, zangou-se Zé.

Jussara, então, respirou fundo e começou: “Eu gostei de você desde o primeiro dia que te vi”, disparou, fazendo Zé dar um passo para trás, assustado. “Eu passava de cabeça baixa, com medo que me apaixonasse por você. Mas não agüentei e, pelo menos, acenava para ti, até que você resolveu falar comigo”, disse, prosseguindo. “Eu queria muito tomar aquele suco com você, mas eu já sou comprometida, você se esqueceu de saber disso. Meu namorado mora longe e ta viajando. Mas logo ele volta para a gente casar”. Continuava Jussara, dilacerando, em palavras, o coração puído de José. “”Eu gosto muito dele, que foi sempre muito bom comigo. Mas e você? Vem aqui, com data marcada pra voltar, vida resolvida muito longe daqui, com amigos, família, trabalho. E eu também tenho tudo isso aqui, mas com uma realidade muito diferentes da sua. Que história isso ia dar?”, perguntou Jussara. Mas Zé não conseguia balbuciar uma sílaba sequer, ficando paralisado em frente à amada. “Então eu parei de passar aqui, mas senti remorso quando soube de sua bebedeira. Sinto que parta agora, mas talvez seja melhor, antes que essa história acabe mal”, prosseguiu, enquanto uma lágrima despencava da bochecha esquerda de Zé. “Eu só queria esclarecer tudo e falar pra você que adorei saber que se interessou por mim, mas não posso abandonar tudo que tenho aqui por você, pois sei que você acabaria pedindo isso, todos que vêm da cidade grande pedem isso”, finalizou Jussara, dando um beijo no rosto de Zé, antes de ir pra sua casa.

O pedreiro em férias, recuperado de alguns minutos de torpor, se recompôs e foi pegar suas malas, sem dizer mais nada até chegar à rodoviária, levado pelos parentes. Zé agradeceu a estadia, pediu desculpas pelos incômodos e se despediu deles. Ao sentar no banco sentiu um aperto no coração, enquanto algo parecia ser empurrado de baixo para a cima até à garganta. Francisco e Isabel acenavam do lado de fora, respondidos por Zé, durante aqueles angustiantes segundos de espera até o ônibus partir. Quando os pneus do veículo começaram a rodar rumo à estrada, a vizinha de banco de José se estranhou ao perceber algumas lágrimas do rapaz. Zé, por seu turno, sentia que aquela pressão na garganta desaguava pelos seus olhos, enquanto uma dor indescritível machucava-lhe a alma. Sua visão, embaçada pelo choro, via a escuridão da mata refletida no céu, entrecortada por algumas estrelas e por reflexos negros das nuvens e da mata rasa. A certeza de que nunca mais veria Jussara doía-lhe fundo. E essa imagem bucólica da noite daquela cidadezinha do interior trazia ainda mais tristeza, pelas lembranças e pela saudade que a viagem cravaria em seu coração pelo resto de seus dias. Após esses instantes de desalento, José tampou a janela com as cortinas e pôs-se a dormir, como se isso fosse fazê-lo esquecer de tudo, enquanto que uma cantiga de amor pulsava em seu velho radinho.

Escrito por Rodrigo Herrero entre janeiro e março de 2007.

quinta-feira, março 15, 2007

Coleira

Uma bela, singela e alegre poesia para alegrar o fim de semana... hehehe...

Coleira

Você diz que tá tudo bem
Mas você não vê que está sendo subjugado
E destruído em cotidianos miseráveis?
E nessa desgraceira viverá por longos anos.

Até seu esqueleto virar pó
E sua vida ter sido somente fragmentos vazios
Você não quer enxergar que está perdido
E nessa confusão permanecerá distante.

Fechado em si mesmo, sem saber para qual lado ir
Feliz quando algo quebra sua rotina
E te solta das amarras que você ama
E te deixa cego, com medo de perder aquilo que te oprime.

Não me diga que você é vítima desse jogo
A inocência é tudo o que você tem?
Não venda essa suposta ingenuidade para mim
Pois você está nesse beco em chamas porque quis.

A criança adorada, mimada até a morte
Agora está presa em dogmas sociais
Aquilo que te desgraçou será sua libertação
Quando acordar e ver além desse muro imundo.

17h40 – 15/03/2007

sexta-feira, março 02, 2007

Estou por aqui

Oi gente.

Sumi, né? A correria está grande no trabalho. Em breve conto mais detalhes. Agora vou logo, pois faz tempo que estou na internet comendo discada, então. Mas é isso, tô cheio de novidade rpa contar, mas também tô com uma preguiça danada.

Deve ser a cerveja, as noites mal dormidas, o excesso de trabalho e preocupação, a monografia que tenho que fazer para fechar minha pós-graduação, o tédio dos finais de semana, meus amgios que têm mais me enchido o saco do que outra coisa. Por isso que eu bebo em casa mesmo, já que todo mundo só quer saber de casório e filho. Prefiro viver o "outro lado", tomar uma cerva depois de um dia duro e pronto.

Terminei de digitar um conto e vou revisá-lo. Em breve publicarei aqui no blog. Faz tempo que não escrevo um, espero que esteja legal. Não sei se tá muito não. Escrevi boa aprte dele em Curitiba, tomando vinho. E digitei tomando cerveja em casa. Vamos ver. hehehe... Sei que tô com saudade de um montaão de gente ingrata.

Mas é isso, a desculpa é que vamos ficando velhos, com responsabilidades e aí todo mundo acha que pode viver no trabalho e no namoro apenas, esquecendo daqueles que estavam lá em todos os momentos. Faz parte.

O ser humano usa e abusa do seu próximo, e quanto mais próximo for, mais ele abusa. Depois joga fora. Não é nenhuma lamentação não, apenas uma constatação. Não estou amargurado com isso, quero é mais que se foda. Estou feliz com um encontro que tive essa semana, mas isso fica para depois.

Até.