domingo, fevereiro 24, 2008

Uma noite qualquer

Acendeu o cigarro, pegou o cinzeiro e foi para a varanda. A vista contemplava o cenário qualquer de uma grande metrópole, com arranha-céus irrompendo a cor negra daquela noite. Algumas luzes acesas de escritórios vazios depois do turno de trabalho. Não dava para ver a rua, apenas paredes de concreto como vizinho. Ouvia-se, no entanto, o barulho ensurdecedor de motos e carros rasgando o caminho, num rugido alto e surdo.

Deu mais uma tragada no cigarro e voltou-se para o quarto desarrumado, evidenciando mais uma noite qualquer com uma mulher qualquer. Não havia luz, devido à forte chuva da última hora. Foi ao banheiro, jogou água no rosto e tentou ver-se no espelho escuro, que refletia apenas uma sombra esfumaçada.

Estava perdido em pensamentos desconexos, sem conseguir concatenar uma idéia sequer desde o início da chuva, quando sua parceira fora embora, depois de mais uma noite de sexo sem compromisso. Sentia-se confuso. Ainda mais estranho por não compreender o que sentia naquele instante. Um completo nada lhe preenchia o corpo, deixando a mente com um turbilhão de sensações esparsas.

Acendeu outro cigarro e voltou-se para a varanda, como que a buscar uma resposta naquela madrugada carrancuda. Começara a garoar. Uma ansiedade passou a lhe atormentar o espírito, como que desejando algo que não podia esperar um segundo sequer. Queria ligar o som para ouvir alguma música, mas a falta de energia elétrica o exasperava completamente.

Passou a lembrar da última semana, em que trabalhara num projeto importante, mas que pouca vontade lhe dava em participar. Aquilo o deixara mal, sem gana de prosseguir. Preferia jogar tudo para o alto e seguir seu instinto, seu sonho, seu coração. Seria loucura fazer isso? Em resposta, recordara as palavras de um amigo, perdidas ao vento, sobre sua procura sem sentido por algo que nem sabia ao que era. Que aquilo poderia lhe fazer mal um dia, querendo achar alguma coisa que estaria longe da sua real necessidade, indo em direção a uma estrada sem destino.

Refletia sobre a veracidade daquele raciocínio, mas não queria mais a razão do seu lado. Pelo menos não naqueles dias. Preferia seguir qualquer coisa que o fizesse fugir daquele esquema cotidiano irritantemente rotineiro, reto, igual. Estava cansado de ter de tomar decisões preso a várias alças que não o permitiam ser livre de verdade. Queria voar, mas possuía responsabilidades a cumprir. Queria viajar, mas não tinha dinheiro. Queria amar, mas não tinha a quem compartilhar tal sentimento. Queria chorar, mas não encontrava motivo.

Foi então que deu um estalo dentro de si. Vestiu-se, acendeu outro cigarro e caminhou em direção à porta. Trancou-a, desceu os quatorze andares pelas escadas, acenou ao porteiro do condomínio e saiu pela calçada sem deixar rastros, no mesmo momento em que a energia voltara. Não havia percebido que deixara a luz do quarto acesa antes do blackout. Muito menos que largara o caminho dos sonhos num local distante de atingi-los agora.