sábado, abril 28, 2007

Chuva miúda não mata ninguém...

Neste sábado eu fui na casa da minha avó Felícia, no Tatuapé. Eu devia essa visita faz tempo. Desde quando ela ficou muito ruim no hospital, no fim do ano passado. Quase morreu, mesmo. Era o que todos pensavam. E isso tornou o fim de ano para a minha família uma bagunça, desnorteando também minhas férias - lembro bem algumas noites tristes, sozinho, longe de São Paulo, pensando nisso tudo, meu pai jururu pelo problema da mãe dele... Eu estava viajando, mas numa pausa de um dia que vim pra capital, passei no hospital para vê-la e prometi a ela que ainda iria visitá-la na casa dela para comer panetone.

Bem, não teve panetone, nem a Colomba Pascal que eu tive idéia de comprar, mas que acabei esquecendo, com minha mãe que também disse que ia comprar - minha avó prefere essa tal colomba, que é boa também, menos para meu estômago. Mas foi bacana. Fiquei um tempo lá na garagem, já que ela estava sentada por ali, já que ela só anda com andador, pois o osso de uma das pernas não está muito bem colado na bacia, devido a uma queda que ela teve anos atrás.

Ela pegou na minha mão e ficamos batendo papo, falando de um monte de coisas que nem vale a pena citar, pois o que importa nessas situações não é o assunto em si, mas sim a oportunidade de estar ao lado de uma pessoa tão próxima e distante ao mesmo tempo de nossas vidas. Tanta experiência, tanta vivência. É um tempo que você pára tudo em sua vida para deixar-se levar por outro ritmo e outras prioridades. É para se pensar. Sempre.

Ela tem 91 anos, embora diga a todos que tem 83. Como ela mesmo diz: "Eu não me sinto velha". Claro que pelo problema, uma mulher mora na casa e cuida dela 24 horas por dia. Minha avó não gosta, mas resigna-se, já que suas condições físicas a impossibilitam de viver sozinha, como ela adorava, depois que seu marido, meu avó Luiz, morreu, já pra mais de 15 anos.

Logo fui embora, pois os jovens nunca têm muita paciência para nada. Mas, antes de ir, um fato engraçado aconteceu, que vai permanecer na minha memória, espero, por um longo tempo. Minha mãe, sogra de minha avó, comprou uma tesoura sem ponta pra ela e disse o preço. Minha avó falou: "Quando a chuva passar eu te pago". Não chovia, apenas o frio castigava aquela região, um pouco alta, do Tatuapé. Mas era uma brincadeira de minha avó com a minha mãe. E na esteira dessa piada, na saída do portão minha avó cantou uma musiquinha :

"Chuva que vai, chuva que vem
Chuva miúda não mata ninguém".

Seu jeitinho simples, suas bochechas caídas, a pele castigada pela idade, aquele cabelo branco, sua estatura bem pequena, suas passadas vagarosas por conta do andador e seu sorriso triste e cansado, de quem ainda, apesar disso tudo, deseja permanecer viva, me enterneceu naquele instante, embalado por essa canção que eu nunca vou saber de onde ela tirou. Até por isso, a outra que ela costuma cantar "tô velho, tô fraco", é mais fachada para esconder a força de vontade de viver que a Dona Felícia, filha de espanhóis, tem dentro de si. Te adoro vó.

2 Comments:

Blogger Priscila Tieppo said...

Oi, Herrero!
Antes de mais nada, adorei o texto!
Aproveite bastante a companhia de sua vó...a minha tinha 87 anos e se foi neste mês, passamos uma semana juntas, mas a debilidade física dela era muita...
Por isso, aproveite! Mesmo nós, jovens, que não temos paciência com os mais velhos, às vezes sentimos falta dessa sabedoria e carinho que já está escassa no mundo...

Bjos

9:22 AM  
Blogger Unknown said...

Oi Pri. valeu a visita e o comentário. Realmente a gente tem que aproveitar algumas coisas e parar de lamentar a falta de outras. Temos que viver o que temos e aproveitar bastante. Foi oq ue eu tentei fazer sábado. Beijos!

3:08 PM  

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