sexta-feira, janeiro 13, 2006

Anos realmente incríveis

Mais uma sexta-feira à noite em que estou aqui no meu quarto, sem nada para fazer, ouvindo Buffalo Springfield e outras coisas dos anos 60, tentando escrever algo para manter este blog atualizado. Odeio obrigações desse tipo, mas é bom eu me disciplinar em realizar esta terapia internética, talvez me faça bem, ou, pelo menos, eu perca algumas boas horas de minha noite inerte escrevendo e refletindo a vida.

Confesso que muitas coisas embaralham a minha mente enquanto ouço a versão original de “On the Way Home”, que foi gravada um dia pela Legião Urbana, num dos primeiros acústicos da MTV tupiniquim. Agora começou “Castle Made of Sand”, do mr. Jimmy Hendrix. A bagunça mental refere-se ao meu novo/velho passatempo de férias: o seriado estadunidense Anos Incríveis, que a TV Cultura tem passado há um bom tempo, agora, dois episódios por dia, a partir das 19h.

Esse seriado serviu de base por um bom tempo de minha adolescência, quando passava na mesma Cultura, anos antes, sempre um único episódio, às 20h. Depois ele foi para a TV Bandeirantes, Rede 21, até retornar ao canal estatal. Agora começou a tocar The Animals, com “The House of Rising Sun”. Sempre lembro de minha mãe quando escuto esta canção, pois ela disse uma vez adorá-la, principalmente pelo órgão e pelos berros de Eric Burdon.

Minha mãe agora está na cozinha comendo algum pão integral, após alimentar meu sobrinho que vai dormir aqui esta noite. Agora ele está na sala com meu pai, vendo algum programa imbecil na televisão. Eu não agüento isso e me tranco no quarto na caça do que fazer. Enfim, isso que dá entender o que a televisão faz na mente dos caboclos.

Mas quero voltar ao preâmbulo das histórias de Kevin Arnold e sua turma. Não sei se alguém lê isso e se o faz, por acaso chegou a assistir esta série. Quero dizer que aquelas personagens todas me ajudaram a segurar as pontas em épocas em que a escassez de amigos sinceros, de familiares próximos, de escola abandonada, de namoradas inatingíveis, de lágrimas e sensações ruins, permeavam meu corpo e minha alma por anos e anos, como foi toda aquela adolescência. Aliás, desde a infância.

Eu encontrei nas peripécias do garoto suburbano de Nova Jersey (putz, agora toca “Ocus Focus”, da então banda Focus, que depois virou UFO, como esse som é foda!!!) uma forma de canalizar todas as vivências que gostaria de viver e que, na condição de ser perdido mental e socialmente, eu não podia durante aqueles verdadeiros “anos de chumbo”.

No amor de Kevin por Winnie, na amizade leal de Paul, na distância hipócrita do “american way of life” fracassado de sua família (e que só hoje eu pude perceber e, por isso, a importância de reviver estes episódios), na evolução de uma criança para um adolescente e, deste, para um adulto, com suas mudanças, seus medos, as perdas, as vitórias, o desejo de voltar para casa como tudo fora antes um dia...

Ah, eu me sentia vivo ao assistir aqueles capítulos e entrar, cada vez mais, na história entremeada de valores que o autor criou. Como aquilo era gostoso. Cada dia eu tinha alguma mensagem interessante para refletir, analisar, computar para meu crescimento. Mas eu pouco ligava para aquilo. Na verdade, eu ligava sim. Porém, me atentava mais à vida que eu não podia ter e ali tinha. Chegava a imaginar o seriado como se fosse real, só que comigo nas histórias. Eu era amigo de Kevin, mas disputava a Winnie com ele. Claro que nessa coisa toda eu vencia. Eu me sentia verdadeiramente dentro daquilo, vivia e sentia cada emoção, como no dia em que Winnie se mudou para longe e tudo ficou mais difícil: o mundo aumentara de tamanho.

E lembrar que começara aquilo por causa de mais uma das brigas diversas em casa, e, chateado e choroso pela discussão com irmãs e pais, ia para o quarto de meus progenitores ver TV e, por acaso, encontrara o seriado. Engraçado que acompanhar tudo aquilo era, na verdade, tentar compreender como a vida se movia e senti-la de uma forma que fosse possível transportá-la para a realidade. É claro que isso é inviável.

Mas hoje analiso que as mensagens, lições, os pensamentos melancólicos do interlocutor que narrava as histórias, que, na verdade, era Kevin Arnold mais velho, foram e ainda são importantes na tentativa de entender realmente o porquê que as coisas mudam, que as famílias se separam, que os amigos se distanciam, que os amores vão embora e porquê dói tudo isso. E é por essa razão que Anos Incríveis foi tão importante para minha vida naquele momento e, também, pelo sucesso estrondoso que alcançou nos EUA e aqui no Brasil, dando picos de audiência surpreendentes para a TV Cultura.

E hoje, ao rever aqueles episódios, mesmo sabendo quais eventos irão se desenrolar, eu me emociono a cada situação vivida por aquele garoto de cabelo crespo e olhar risonho, com sua indefectível jaqueta dos New Jersey Jets (time de futebol americano), gargalho com as sacadas de seu narrador que percebe e conta como cada sentimento vivido tocou seu coração e ainda toca hoje, através de suas memórias. E isso acontece porquê eu também sinto cada coisa e não porque eu vivo aquela vida que não é minha. Não faço mais isso, pois consegui evoluir e achei o meu próprio caminho.

Eu faço porque, cada realização, abraço, beijo, briga, alegria, tristeza, eu também vivi e olho para trás da mesma maneira que o narrador o faz, e vejo cada momento que tive que foram únicos, assim como os do seriado, pois foram vividos por mim e pelas personagens de minha história.

Pois cada vida é um filme, um seriado, uma história para ser contada. E todos merecem ter suas vidas contadas, refletidas, analisadas, passadas a limpo, não como algo negativo, mas como uma positiva reminiscência, melancólica até (coisa dos anos 60, sinto isso), para que, ao menos, lembremos quem fomos, quem somos e porque assim o chegamos a ser.

Eu agradeço muito a tudo que fui proporcionado pela sua existência e amo profundamente o seriado e personagens, que me deram guarida quando eu não tinha nada e hoje me fazem refletir, avaliar e rememorar tudo o que eu vivi até hoje. Mas, ao contrário do seriado, a minha história não acabou. Ainda há muita coisa para ser contada.