terça-feira, janeiro 27, 2009

Uma neblina escura, cinza, se avista pelo caminho

Ontem, em meio a um mar de dificuldades e pensamentos revoltos, encontrei uma pasta com um show do Aborto Elétrico na Funarte, de 1981, algo muito velho que eu consegui na internet, acho, sei lá onde. E recuperei uma letra que postei no meu perfil do orkut, chamada "Construção Civil". É uma música juvenil, punk, anárquica, e, talvez por isso, irônica ao extremo, com dizeres simples e eficazes que fazem refletir sobre o atual momento da nossa vida, se você está disposto a tal, ou seja, não quer fugir a um conto de fadas.

A primeira parte é interessante e diz bem o meu momento atual, inclusive:

O que você vai ser
Quando você crescer?
E nas fotografias
O que você vai ver?
O tempo passa e você vê
Que existem coisas
Que você nunca imaginou que existissem.

Essa sempre é a preocupação: qual o legado que eu vou deixar? Alguém vai se lembrar de mim? Quando ver a foto, o que será visto? Apenas uma aimagem? Uma imagem que remete a algo? A algum feito? Ou a nada, nem a ninguém?

Mas nada disso importa, pois quando você é jovem, se tem na volúpia a fonte de esperança em querer fazer as coisas e crer que elas vão dar certo só porque você quer. Quando você é jovem, a sua sede de conhecimento e de diversão são seu mote, o objetivo final é formar na faculdade, com um zilhão de oportunidades formigando em seu imaginário. A biblioteca da faculdade é o lugar mais fantástico do universo, pois ali está todo o saber. O núcleo de comunicação é falho, mas tem as pessoas, as coisas acontecem ali.

Mas logo você nota que não passa de uma biblioteca de quinta e as maiores são sempre as mais assustadoras, porque o universo muda de uma bibliotecazinha de universidadezinha que se acha grande na zona leste para um ambiente de pesquisadores, com um acervo fabuloso, caso da PUC, que freqüentei por tempos, mesmo na graduação, afinal, meu TCC não comportava a parca bibliografia da universidade em que eu estava e a PUC é um ótimo loval apra Ciências Sociais e Política.

No entanto, antes de você se dar conta de tudo isso, tudo é maravilhoso, as dificuldades são enfrentadas com alegria, a luta tem sempre um fim decente e interessante. E as festas, o bar e os amigos são um complemente positivo a quatro anos árduos de trabalho, na maioria dos casos.

Agora, quando você começa a crescer mesmo, sai da universidade, encara o mercado de trabalho, a "adultice", as contas, a barra de morar sozinho, e mais, de viver só, sem partilhar do amor de uma pessoa, sem festas, nem carnaval (diria marcelo Nova), sem um objetivo mais simples de enfrentar (porque concluir um curso de graduação numa universidade privada é das coisas mais possíveis de serem feitas - para não dizer fáceis - que existe, e a cada ano isso aumenta), você realmente começa a notar coisas que nunca imaginou que haveria. Aí, como diz a estrofe seguinte de "Construção Civil":

Eu tenho um primo que trabalha na Construção Civil
Me conta coisas e diz que eu tenho que esperar
Entre uma cerveja e outra
Se lembra do aluguel
Então me explica como é feliz?

Alguém pode me explicar isso? Quando se é jovem se tem vontades, pressa, ânsia juvenil para mudar o mundo. Quando se é adulto, só fica a ânsia de ver a sua vida melhor. As vontades se esvaem a cada ano, a pressa dá lugar à inércia, movida pela desesperança. Porque tudo que você faz é voltado pro presente, pras contas, para uma situação emergente, é impossível projetar o futuro, mesmo que seja um futuro daqui há um mês, por exemplo. E a terceira parte é exemplar quanto ao que eu disse acima:

Eu tento ver nos olhos
Se ele fala a verdade
Mas ele se esquiva
E diz que é só cansaço
“Cê ainda tem muito pra viver
Como vai a escola?"

O objetivo agora é outro, tentar sobreviver à falta de perspectivas, à ansiedade, que acelera os acontecimentos e ao masssacre diário que a gente é submetido. E tudo que resta é o cansaço e a falta de coragem de admitir que sua vida está uma merda e que não há no momento nenhum caminho límpido para as coisas melhorarem.

As coisas tem andado numa morosidade e numa dificuldade incríveis. Para acontecer algo a batalha e o sofrimento são gigantescos. Sangro mais para conseguir as coisas. Claro que há uma valorização interna quanto a perceber a maturidade e o espírito guerrerio, casca dura. Mas você se mata para avançar um milímetro, acabdno por ser muito mais desgastante e dolorido. Tudo é desespero para alguém que entrará na casa dos 27 e que ainda nada tem de substantivo.

Não é a toa que com tanta coisa na cabeça e tanta reflexão e ironia, a música não poderia terminar de otura forma que não:

Pare de pensar na vida e vá trabalhar
Na Construção Civil!