sábado, julho 03, 2004

Nos Trilhos do Metrô

E as coisas mais simples são mesmo difíceis de se dizer. Engraçado esse verso. Mas creio que ele tem muito significado. É do Marcelo Bonfá e do Gian Fabra, da música "Todos os Sonhos do Mundo", do primeiro disco do Bonfá, O Barco Além do Sol. Estou no metrô, retornando do inglês agora. Tive uma nota muito boa no teste oral (9,5), surpreendente para a professora, que já havia fechado minha média em 8 e agora vai ter de reformular no sistema para 8,5. Na prova escrita eu tirei 8,1 e na prova do meio do curso que perdi na época da operação no cisto tirei 7,5, fiz correndo por causa do pouco tempo que existia para concluir o trabalho - tinha redação, conto para escrever, muitas atividades. Por tudo isso notei que preciso arrumar mais tempo para estudar o Inglês durante a semana e não só de sábado e, também, não só meia hora por semana para fazer os exercícios e compreendê-los melhor, relacioná-los com outras partes dos livros.

Um aparte aqui: tem um cara próximo, de cabelo loiro espetado e cavanhaque ralo, óculos de aro preto, camisa e relógios escuros e calça e tênis cinza, cara de perdido, fica emitindo uns sons estranhos, identificáveis, shhh, algo assim. Agora ele levantou para descer na estação Sé, vi que ele é retraído, "nerdão", sei lá, tem uma corrente dourada.

Sentou uma mulher do meu lado, eca, fica fazendo barulho com a boca, coisa de velho mesmo. Isso me lembra dia desses um senhor que fazia o mesmo, só que com a ponte de ferro dele, produzindo um barulho tenebroso, nojento,. Ainda bem que desci 3 (acho) estações depois que entrei.

Bem, agora o metrô entra definitivamente na parte leste do ramal leste-oeste do metrô, conhecido como linha 3 - vermelha. O sol brilha forte dentro do vagão, no meu diário, na minha bolsa verde rasgada (a mulher que faz barulho com a boca saiu do meu lado, ufa!) e nos bancos, onde pessoas diversas estão sentadas (menos do meu lado e à minha frente, deve ser o Sol), indo para sei lá onde.

O daniel me disse algo legal ontem. Estávamos na Vila (ex-operária) Maria Zélia, houve um evento para discutir as melhorias e resaturações a serem feitas na vila, etc., com vários políticos, secretários, pagens, líderes comunitários que não representam nada e aquela gente toda interessada numa ex-vila operária caindo aos pedaços e ambos tentando entender o porquê de tal interesse (estamos no túnel agora, o metrô balança muito, atrapalha demais a escrita*) e ele me dizia para observar as pessoas e tentar apreender o que elas pensam, o que fazem, porque fazem, naquele momento. Aqueles caras de gravato, engomados, roupa social e tudo o mais. Secretários do município que devem (ou não) ser bons para estarem lá.

Novo aparte: uma mulher entrou no vagão pedindo dinheiro, frustrante e eu me sinto mal, ela ficou me olhando, numa clemência de afligir a alma. Mas também não dou dinheiro, sei lá, tenho pouvco, é foda: a gente gasta com tantas porcarias e para essas coisas não temos. Acabei dando tudo o que tinha na carteira: eram três reais em notas e mais um bando de moedas de um real, 10, 25 e 5 centavos, nem vi quanto tinha.

É que eu sempre lembro de uma passagem na Bíblia (nem sei mesmo se tem isso lá ou se vi na tevê algo asim ou li em algum lugar) que, de forma resumida, diz que é fácil darmos o que temos sobrando, mas são poucos e abençoados aqueles que dão tudo o que tem para ver o bem do outro. Isso sempre vem à cabeça quando alguém pede e, por isso, resolvi ficar bem comigo mesmo e, também, liso de grana - eu não sei se estou certo em dar dinheiro, mas ela pareceu necessitada e eu fiquei inquietado a dar o que tinha à ela. o Daniel sempre fala que temos muito Deus perto da gente na nossa vida e eu acredito nesse meu amigo, então, isso, aliado à momentos como esse, me fazem crer em algo que nos impulsiona a fazer o bem, seja lá o que isso queira significar.

Aí vem a porra do cara do metrô e diz no alto-falante que pedir esmolas é uma prática ilegal e diz para não incentivarmos isso - aliás, o metrôs diz tantas coisas que devemos fazer e não fazer, já repararam? um dia eu vou ter a paciência de ouvir todas as mensagens e trazer para um texto, publicá-las todas, seria algo interessante. Eu gostaria de ver esse cara sem trabalho, sem comida e vendo seus filhos chorarem de fome para ver se ele concorda com as baboseiras que ele pronuncia sem pensar naquele microfone metálico.

Agora, voltando ao papo sobre observar pessoas surgido no evento da Maria Zélia, poxa vida, é muito louco isso... O Daniel disse que as pessoas pensam, tem medo... Tudo muito óbvio, mas ninguém pára para fazer isso, numa roda de pessoas e um outrem à distância, tentando saber o que , naquele momento, cada um pensa, o careca que franze a testa, o gordo que ri, a menina que olha para o meu amigo e caminha displicente, etc. E nisso, ele disse que todo mundo tem medo e eu completei que, por trás daquele rosto e riso há um medo forte naquela pessoa. E é isso mesmo, creio eu. Porquê esse papo? Oras, você (eu) perceber que todos tem medo e, até aquele cara confiante, prá cima, está nervoso ante uma apresentação de projeto, por exemplo, lhe traz um alívio e uma confiança maior na pessoa, porque todos que vivem tem medo de alguma coisa.

Estou chegando no Artur Alvim e essa droga continua a balançar muito. Encerro por aqui, pois cheguei a meu destino. Tantas coisas para escrever, pensar, viver. Outra hora eu continuo.

*Nota do Editor: Como deu para reparar, os escritos foram feitos à mão em meu diário, por isso mesmo mantive os tempos verbais das frases e os chistes originais do momento em que escrevi essa pseudo-crônica, que gostei de chamar assim.