quarta-feira, novembro 29, 2017

Culpa da data

Nego,

Hoje o dia aqui foi ruim. Mas eu teimava em achar que não tinha relação com a data. Gastei parte dos primeiros minutos da manhã tentando comprar ingressos pro jogo do São Paulo e, nos entraves para consegui-lo, atrasei minhas tarefas e me exasperei demais.

Tudo começou a se mostrar repetitivo, os mesmos trabalhos, os mesmos frilas e a vida começou a parecer que estava girando em círculos novamente. Peço desculpas ao amigo, mas hoje não consegui honrá-lo no quesito trabalho. Sei o quanto tu era zeloso em todas as atividades que lhe eram designadas. Mas hoje o dia simplesmente não andava. Tudo que eu fazia era custoso demais e várias vezes eu me pegava desconcentrado fugindo do dia no Twitter, olhando ou fingindo ver alguma coisa...

A irritação só aumentava... Enquanto isso, as homenagens, as lembranças, um tuíte, um post no Facebook, uma lembrança perdida do "Neste Dia" do FB de um vídeo teu no Scarpelli em 2013, logo no meus primeiros meses na tua terra... Mas eu insistia em dizer para mim mesmo que não conseguia sentir nada. Me achava até estranho, um tanto quanto insensível a tudo o que se sucedia relacionado à data. Cheguei a pensar: bem, na minha cabeça tudo ocorreu no dia 29, porque foi quando eu acordei, às 6h da manhã, olhei o celular e todo aquele inferno começou... E isso faz um pouco de sentido. Ainda assim, eu seguia alheio. Escolhi, por isso, o silêncio.

O dia continuou rastejando entre uma tarefa e outra, entre uma procrastinação e outra. No fim das contas, consegui fazer minhas atividades do dia, o que deu até uma pequena e breve satisfação de superar os obstáculos em um dia, até então, inexplicavelmente lento.

Aí eu me arrumei para ir para a ETEC, fui para o ponto de ônibus na rodovia, peguei a condução e, como quem não quer nada, uma tristeza se sentou na poltrona ao lado e as coisas começaram a fazer sentido. Aos poucos... Cheguei desnorteado no auditório - hoje não teve aula, só apresentação de TCC de quem tá concluindo o curso.

Mas a verdade é que eu estava distante. De mim mesmo, sabe? Um tanto quanto alheio de tudo que acontecia. No meio do falatório eu fui me refugiar nos nossos papos do Whatsapp. Pena que eu sou muito burro e apaguei toda a mídia do celular, sem ao menos lembrar de guardar um registro da voz do amigo falando comigo. Vejo nas mensagens o quanto eu te enchia o saco com tarefas, obrigações e pedidos, até mesmo quando eu voltei pra cá, seja perguntando possíveis temas de pauta, ou pedindo contato para colegas da imprensa paulista. Tu sempre foi grande, mais do que um parceiro de plantão, um grande amigo. Porque amigo está ali contigo, não importa a situação. Amigo não é só aquele que te vê de vez enquando em aniversários e tchau. Aprendi de uma vez por todas que amigo simplesmente está... perto, junto.

Então as coisas desanuviaram de vez e daí só batia dentro da minha cabeça que eu tinha que registrar algo, ainda que eu tenha relutado muito a escrever estas linhas. Sei lá, não quero machucar ninguém com a lembrança e também não me sinto à altura de ti e da data para ficar escrevendo em rede social, expondo coisas e ganhando comentários e curtidas. Cada vez menos tenho vontade de dizer o que sinto nesse big brother que se tornou a internet, pois aqui tudo parece tudo tão fake, tão artificial, tudo muito ao contrário de ti, meu querido.

Tu merece muito mais do que um post em rede social. Mas enfim, é o que eu senti compartilhar, até por finalmente entender que o dia de hoje foi ruim não porque esse ano realmente tá foda, uma verdadeira montanha russa, mas sim porque você faz uma falta danada e eu senti isso hoje ainda mais do que em outros dias, meu velho. Culpa dessa data.

Um abraço aí em cima, Podi. Saudades.

segunda-feira, abril 03, 2017

O que eu sinto

Sem forças para trabalhar. Sem forças para escrever. Sem motivação para tentar algo novo. Tem dias que a única vontade que se tem é a de nada fazer enquanto espera que as coisas mudem.

Não adianta discursinho pronto que se a gente não faz nada, nada acontece. Já se sabe disso. E nada do que você faça, com força, ânimo ou vontade, muda. Porque nem tudo depende de você, ao contrário do que dizem.

Os dias passam e você percebe que toda a força que você põe nas coisas serve apenas para satisfazer questões materiais impossíveis de serem completas, e que continua correndo atrás do próprio rabo, pois sabe que por mais que você faça, não vai conseguir tirar a corda do pescoço. E ela aperta cada vez mais, ainda mais nesse país desgovernado e mutilado.

Você olha para o lado e vê todo mundo sofrendo, desempregado, endividado, fodido e muito mal pago. E percebe que não é só você na merda. A merda é geral. E o que fazer? Não há respostas, somente dúvidas. E dor.

Hoje tudo que eu queria era não ser esmagado por tantas dívidas e obrigações, e ainda tendo que manter a aparência de que está tudo bem, só para não ser visto como um tolo pessimista. Pois não basta você ser assolado e vilipendiado pelas péssimas condições de vida, você ainda tem que sorrir para ser aceito na sociedade.

Há algo muito errado com a humanidade, quando o que aparenta vale mais do que o que você sente.

E o que eu sinto hoje me impede de prosseguir.

domingo, outubro 16, 2016

Convenção social (pelo fim da hipocrisia)

Não à convenção social
Não à convenção social
Eu odeio a convenção social
Morte à convenção social

Você não pode falar o que sente
Você é obrigado a engolir sapos
E a fingir que está tudo bem
Para receber a medalha de bom idiota

Não à convenção social
Não à convenção social
Eu odeio convenção social
Morte à convenção social

Você aceita ser rebaixado
Você engole a merda que te falam
Tudo para não deixar os outros tristes
Mas assim sua alma afunda
Em angústia e depressão

Não à convenção social
Não à convenção social
Eu odeio convenção social
Morte à convenção social

Que se acabe, enfim, com a hipocrisia!

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sábado, março 14, 2015

Mais um dia

Deu um beijo morno de despedida, desceu do carro e contemplou a avenida que rasga o bairro como se fosse uma estrada, com seus caminhões, ônibus e carros velozes. Iniciou a caminhada rumo à passarela e começou a subir. Reparou que, embora o dia estivesse claro e o azul predominasse no lado da Baía, da região dos morros vinha um cinza enevoado.

Enquanto mirava as nuvens passeando por sobre o verde das árvores, sentiu uma forte dor de cabeça, as pernas falharam. Caiu. Senão tivesse a grade de proteção, teria despencado no meio da avenida e triturado pelos veículos que vem e vão sem saber por qual razão.

Ficou estirado por alguns segundos, com os músculos crispados. Aos poucos, a consciência retornou, mas tudo o que ele via era a escuridão, como se tivesse ficado cego. Procurou se sentar e ficou recostado à grade, esperando mais alguns momentos para se recompor.Não havia ninguém no momento a utilizar a passarela, de modo que ainda demorou uns cinco minutos até voltar ao normal.

Aos poucos passou a enxergar o cinza das nuvens que já tomavam boa parte do céu que antes era azul. Tentou levantar-se a primeira vez, mas os braços amolecidos não deram sustentação e ele caiu novamente. Desistiu por um instante e passou a contemplar a paisagem a sua frente, uma mistura de concreto, asfalto e natureza, um tanto quanto surreal para sua mente. Pelo menos é o que sempre pensou.

Em novo rompante, fez um impulso e conseguiu levantar-se. Ainda que com dificuldade, apoiou as mãos na grade e começou, pé ante pé, a retomar a caminhada. Parou, pegou a água que carregava na mochila, sorveu alguns goles e voltou a andar. 

Desceu a passarela, olhou os restos de raio de sol que teimavam em invadir o bloco cinza que tomou conta da cidade. Ao chegar a seu destino, parou em frente, ergueu a cabeça e fitou-o, um tanto quanto hesitante a seguir adiante. Por fim, respirou fundo e retomou os passos, rumo a mais um dia de trabalho.

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sexta-feira, março 13, 2015

O inesperado adeus

Ela pegou na mão dele, o abraçou e ficaram ali, inertes, por uns bons momentos. A despedia lhe doía o coração como uma faca atravessando-lhe o órgão. Nele, uma saudade daquilo que nunca teve consigo o deixava ainda mais confuso por aquele sentimento repentino ante a iminente perda.

Lágrimas rolaram pelos olhos dela, a borrar-lhe a maquiagem. Seus pensamentos ainda não estavam na nova velha vida, nas rotinas mais que conhecidas, no amor que ficou a lhe esperar, muito menos na expectativa por um mestrado que se impõe como um desafio a quem quer buscar novos caminhos. Ela mantinha a mente apenas num pensamento obtuso: eu nunca mais o verei.

Já ele se perguntava como guardava sentimento tão forte e que só fora transbordar naquele instante, ao ter confirmada a ida dela para sempre. Ao mesmo tempo, sentia que não poderia soltá-la e que o tempo parasse, pois não haveria mais modos daquele carinho ter fim.

As várias pessoas ao redor se entreolhavam curiosas e estupefatas ante aquela cena inesperada dentro da empresa. Dois quase estranhos, que se viam e se falavam muito pouco, de repente estavam abraçados, lamuriosos, diante da proximidade do adeus. "Será que eles tinham um caso às escondidas?", perguntava um. "Mas como isso pôde acontecer, ela nunca me disse nada!", cochichou, espantada, uma amiga para outra.

Enfim, chegou a hora de ir. Ela empurrou, carinhosamente, os braços dele, enxugou as lágrimas, forçou um sorriso e disse: "Tenho que ir. Nunca me esquecerei de ti". Ele apenas consentiu com a cabeça, como que se dissesse a mesma coisa para ela, roubou-lhe as mãos, deu um último beijou e a deixou partir.

Enquanto ela saía da recepção em direção às escadas, os olhos de todos voltaram-se para ele, que não deixava esconder a dor do adeus, apesar de não exibir uma lágrima. Ele sentou em seu terminal de cabeça baixa e disse, sem olhar para os espectadores: "Acabou o show, pessoal, voltemos ao trabalho".

segunda-feira, agosto 25, 2014

A angústia e a busca por um sentido

Tu sai do trabalho exausto e contente porque deu tudo certo. O fim de semana chega, a pulga se acalma atrás da orelha e tu vai passar dois dias de uma correria imensa e intensa atrás das fugas sazonais para esquecer o que te aflige e que te impedem de parar para refletir o que você não quer mais sentir. Enfim, o domingo à noite chega e com ele vem a não-vontade de dormir, que invade a madrugada e afeta a tua manhã de segunda. A pulga já virou um cão e se mudou para o estômago, a incomodar e a questionar os rumos daquele dia e semana, já esperando o outro fim de semana completo, só daqui 15 dias.

Essa insatisfação crescente e presente não importa o lugar está me matando. Ou me levando a lugar algum, a mudanças frequentes, a pular daqui para ali, na busca por algo que nem sei o que é, a ir atrás para algo que vá dar conforto temporário e depois vai se transformar no novo incômodo e no olhar para o futuro como o bálsamo, a salvação do presente torturante. E assim se passaram dois, três, quatro, cinco anos. E nada se encaixa.

As limitações materiais da vida de classe média-baixa impedem que os sonhos se materializem sem anos e muito sacrifício. Mas a minha dificuldade de enxergar um sentido para essa sandice rotineira que visa a algo distante impedem que planos, que foram traçados, sejam levados à frente. Talvez porque o plano não é o que desejo arduamente, mas sim um meio termo, uma procrastinação, um subterfúgio, até o próximo período de angústia.

Por outro lado, a cegueira me faz olhar o passado com saudosismo, como um período bom, ainda que de igual angústia. Quando na verdade  foram apenas boas passagens, experiências e histórias para contar, pois a insatisfação e a angústia permaneceram. E permanecem. Permanecerão. Até em trechos de tempo bons as dificuldades materiais eram enormes - o meu projeto mais legal de ter feito o fiz quase sem grana e na incerteza de receber. Ou seja, nada é fácil, nada é certo.

Percebo, de tudo isso, a ausência de equilíbrio do presente, já que o pretérito foi saudoso e o futuro será a redenção. A minha incapacidade de saborear o agora sem botar um "porém", um "mas", um "talvez" é gritante. Sempre um projeto se interpõe entre presente e futuro, porque o presente nunca me é satisfatório. Sempre encontro obstáculos e problemas que me desestimulam, amálgamas de tarefas, rotinas e falta de tempo me amarram, tirando o foco daquilo que realmente vale a pena. Seja o projeto futuro que deve ser construído já, ou mesmo dos aprendizados do presente.

Falta paciência, falta foco. Mas falta, principalmente, um objetivo claro, uma sensação e felicidades palpáveis, que sejam a meta a ser buscada, para agora ou para o futuro. Estou cansado de gastar energia e intelecto para o proveito de outros e já não vejo futuro naquilo que estou fazendo. E isso frustra demais. É um sobe e desce de sentimentos, em que vive-se a dicotomia de gastar neurônio em algo que já foi, quando devia ser o foco o que se apresenta. E é cobrança, mecanismos de pressão e a própria cabeça pressiona. E o escape é pensar em algo totalmente fora do costume, projetando naquilo a redenção. No sonho, no pensamento, é a salvação plena. Mas basta começar a cavucar a realidade para os variados obstáculos assustarem e daí tu percebe que falta consistência naquilo.

O que mais incomoda é justamente essa angústia que vai e vem e reflete a total incapacidade de prover a felicidade a sia próprio. Os bons momentos são apenas momentos. Os maus são outros momentos. Mas o que fica é a incerteza, a angústia de não ter um sentido claro e definido. A falta de um norte, mesmo quando há tantas direções a sua frente, é o que engessa e deprime. Eu que faço tanta coisa no dia a dia, mas produzo muito pouco para mim, ou muito pouco algo realmente diferenciado, que saia do comum, como antes já fiz. A dispersão e a preguiça venceram um homem que correu demais durante um tempo e que se acostumou a trabalhar tudo a seu tempo.

Disciplina é a solução? Talvez. Mas para organizar as milhões de tarefa do ser humano atual, não para resolver essa angústia que vai além das soluções diárias. Está na falta de um sentido, de um porquê que valha ser perseguido. E por hoje chega.

segunda-feira, março 24, 2014

Reflexões de uma vida (des)conectada

Esse lance de estar conectado assusta. Após ver um conto de um amigo no Facebook, bateu uma breve vontade de escrever e eis que, num clique, acho este meu velho blog, aperto nova postagem e, plaft! Aparece a folha em branco e o mesmo cursor. Depois de tanto tempo... e nem preciso de senha! Se precisasse, não saberia dizer qual. O Google compra tudo, daqui há pouco uma senha bastará para tudo... E não sei se isso é bom.

Voltei. Só por hoje, talvez. Mas será apenas para mim, ou para algum maluco que me achar por aqui ou que ainda entra por estas bandas. Porque, como diz um dos últimos posts da última leva, 2009, é difícil se expor hoje em dia, as pessoas te medem, te esticam, te criticam, te definem pelo que você se mostra na vida social/virtual. Não adianta se, num dia ruim, tu fala groselhas. Fica marcado. E para uma pessoa, infelizmente, pública como eu, tudo é exponenciado. Pública em termos. Poucos conhecem o meu trabalho. Mas para os erros e críticas, é só eu escorregar que aí eu sou público. Ainda mais numa capital-província, numa capital onde todos se conhecem, todos acham que própria opinião é mais relevante que o resto e devem ser ouvidos e influenciam no cotidiano das pessoas. Nada muito diferente de outros lugares, a não ser que, como é menor, o reflexo das coisas é bem maior.

A vida é engraçada. E no revival de um post num blog, começa a tocar Semisonic. "Chemistry", não a mega famosa, a menos famosa. Curto o disco mais interessante deles, que vendeu bem e depois eles sumiram...

Voltando.... Às vezes gostaria de voltar a ser o velho anônimo do período internet discada, em que ser famoso em meio a um grupo de discussão foi o meu auge. Era melhor. Eu era respeitado pelo que escrevia. Hoje, tu és avaliado pelo que tu faz. As redes sociais prometeram um mundo de facilidades, mais proximidade com as pessoas e tal, mas o fato de tudo ser público te expõe muito mais e as pessoas se escondem cada vez mais. Só fica para fora a casca feliz, das festas, bares, viagens, bons momentos. A vida diária e chata fica de escanteio. Afinal, ninguém quer falar disso.

 Só que, se antes você encontrava as pessoas para soltar suas frustrações e falar das coisas boas, hoje não há tempo e nem vontade de procurar as pessoas de forma privada para tal. Contenta-se com o mundo virtual público que é falso. Me sinto muito distante de queridas e queridos que fazem um bem danado quando os encontro. Mas me sinto tão desconectado de suas vidas no dia a dia que... E não é só pela distância física. A distância virtual e a própria vida como é vivida hoje nos impõe barreiras e tudo que sobra é preguiça e cansaço diante de tantas coisas a fazer.

A vontade que fica lá no fundo é de largar tudo e ter um emprego normal, um trabalho chato e sem sal, com ponto, entrada e saída e sem grandes responsabilidades. Só para voltar a ter mais tempo perto dos meus próximos, falar mais com as pessoas, escrever mais, torcer pelo meu time sem culpa, gozar do outro sem que minha posição atual represente falta de ética. Enfim, resgatar um pouco do que fui há 15 anos atrás e há 10 anos. Daquela inocência eufórica de opinar tudo, brigar, desculpar e tudo seguir o caminho normal, ao menos a pessoa realmente sabe o que tu pensa. Tu vai ficando velho e só guarda, guarda, guarda. Engole sapos o dia todo para pagar as contas, subir de cargo, ou fazer um projeto legal. Vai despedaçando o seu eu, a sua raiz, em nome de algo no futuro que nunca chega, de uma prosperidade que é muito distante e o que sobra é o saldo negativo, saúde ruim e alguns bons momentos.

Mudei muito. Melhorei vários aspectos que são importantes e que me possibilitam viver o que vivo hoje. Mas não sei se mudei tanto que me desconectei demais do meu eu. Temo dizer isso, é uma análise mais profunda que devo fazer, mas não sei se me reconheço mais do que eu fui. Às vezes acho que isso afeta a minha própria saúde. Por mais que serenidade e paciência sejam importantes, a gente se segura tanto que uma hora o corpo cobra tanta porrada no fígado.

Agora a 89FM toca Slide, do Goo Goo Dolls. E o revival anos 90 prossegue.

Falando dessa coisa de trabalho chato e ter tempo pras coisas, lembro da era do orelhão, alguém se lembra? Recordo que gastava meus intervalos de almoço (que às vezes se estendiam além dele, para loucura da chefe) no telefone com um amigo falando sobre a vida, das minhas angústias, da namorada que eu não entendia, do trabalho ruim que mudara de endereço e eu detestara, embora o bairro fosse mais tranquilo. Das coisas que mudavam e eu não conseguia acompanhar. De fato, não durei muito mais naquele trabalho. Após 4 anos dando o sangue, não tinha mais nada a oferecer, mais sangue para ser sugado. E foi uma bênção, apesar das dificuldades financeiras dos tempos seguintes.

Não que eu sinta saudade dessas angústias (sim, às vezes sinto, eram melhores e mais juvenis, pueris, que as de hoje, que dão medo mesmo), mas desse contato. Eu falava por telefone com as pessoas! Lembrei de outro momento em que eu, recém-operado, xavecava uma garota a vir em casa para ver como eu estava. Mas como eu era ruim nisso, não deu certo, nunca fui de ser claro com essas coisas. Mas a gente conversava com as pessoas. Orelhão, de casa... hoje mal ligo para os meus pais. É o sinal da derrota. Temos tantos recursos e cada vez mais nos afastamos. Ou sou só eu e aí vou me sentir um desgraçado fracassado.

Sinto falta também quando passava o dia entre trabalho e emails para um amigo, cada um falando de suas agruras cotidianas e projetando o fim de semana, alguma festa, balada, churrascada, ida ao Morumbi ou cada um para seu lado. Hoje perdi o amigo e mal falo com os que ainda tenho no chat do Facebook. Sinto falta de tanta coisa...

Até escrever que era uma coisa que fazia muito, fui deixando de lado. Nem poesia, nem poema, nem conto, nem desabafos, nem reflexões. Nada. Escrever por obrigação acho que é das coisas que mais sugam suas forças. Tu trabalha o dia todo com isso, não dá ganas de chegar em casa e ficar pensando e escrevendo... Não tem só isso de "ah, a vida melhorou e por isso não sente mais necessidade de escrever". Em algumas coisas sim, mas em outras... Só que a gente não percebe... E depois tu vai seguindo tua vida em outras atribuições que o que menos tu faz é escrever. Exceto e-mails. Dúzias deles. Ninguém mais usa e-mail fora do trabalho. Mas no dito âmbito corporativo... É quase um spam diário com tanta porcaria que nem te afeta, outras que querem te afetar e se você cair nessa está ferrado. Outras tu passa longe. E muita encheção de saco. Essas coisas deixam o cidadão estéril, com cada vez menos percepção do todo, do seu universo ao redor. O pensamento vai se restringindo ao trabalho, aos afazeres, às matérias, a projetos... e a capacidade de analisar, sintetizar, refletir e propor algo que transcende a si ou aos outros vai por água abaixo aos poucos.

Não sei aonde eu quero chegar com isso. Acho que essa é a questão, não tem aonde chegar aqui. Apenas pontas soltas que podem ajudar a encontrar um equilíbrio neste inferno que é a vida adulta. Posso não voltar mais aqui, mesmo assim, valeu a pena. Eu sempre me prometo e imagino que, ao constatar algumas coisas, vou conseguir mudá-las. Mas a letargia diária nos esteriliza, adia, atrasa. Até ser tarde demais. Espero que desta vez seja diferente. Até.